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26/10/2014: "Amor inteiro"

Comentário ao Evangelho do 30º Domingo do Tempo Comum: Mt 22, 34-40

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Desde a antiguidade, a religião de Israel encantou a muitos. Suas sementes parecem remontar uma experiência profunda de escravidão tornada liberdade – anseio, sim, de um povo, mas desejo de todo coração humano. Lendo e relendo essa experiência fundante, Israel não concebeu apenas a convicção de um Deus único, mas de um Mistério paterno, divino pessoal, que “ouve os gritos do povo, conhece seus sofrimentos e desce em seu favor” (cf. Ex 3,7); um Deus que tem coração e se deixa afetar pelas necessidades daqueles que ama; um Deus capaz de cuidar. Deixando-se conduzir pela fé, o antigo Israel compreendeu que Deus não assiste passivelmente os dramas humanos desde as sumas alturas, mas caminha no chão da história e corre conosco os riscos da existência. A um Deus assim tão histórico, não bastam as solenes liturgias. Louvá-lo implica que as mesmas mãos zelosas no oferecimento dos incensos e das libações se abram em favor dos mais precisados; e que a assiduidade nos sacrifícios se concretize no compromisso de uma vida reta. A união do culto com o compromisso ético deu ao Judaísmo o caráter revolucionário de uma religião profundamente existencial, atenta às maravilhas de Deus no mundo, desejosa das alegrias da eternidade, mas também generosa no cuidado das feridas do coração humano, na custosa travessia da vida.

Porém, como toda experiência fundante, também o Judaísmo conheceu a formalização institucional. E, como em toda grande religião, até hoje, também lá o vigor da fé corria o risco de sucumbir debaixo das exigências de manutenção e da frieza calculada dos poderes. Ambições e crueldades, às vezes pronunciadas com palavras sagradas, quase se legitimavam, à sombra dos altares e em meio às preces. Isso obrigava colocar a questão: todo esse arrojado sistema religioso teria um cerne irrenunciável, um princípio primordial de unidade, um epicentro de sentido, um caminho à pureza da fonte primeira, de modo e recordar o sonho original e curar os enganos da história e as fraquezas da maldade? Esse é o sentido da pergunta feita a Jesus: “qual seria o maior de todos os mandamentos da Lei?” (Mt 22,36).

Caso fosse reduzida a apenas “Lei”, o Caminho (Torah) da Escritura oferecia a Jesus uma infinidade de respostas. Certamente, os arguidores fariseus possuíam, cada qual, sua própria interpretação da questão. Mas todas muito capciosas porque limitadas, nascidas talvez de uma fé que reduzia a Escritura a uma lista interminável de normas pendentes. Não sem razão, o autor do Evangelho insere a perícope entre outras tantas controvérsias de Jesus que desembocam em sua paixão. E adverte: a pergunta foi feita “para por Jesus à prova” (Mt 22,34).

Para Jesus, entretanto, a Palavra de Deus não se presta às ardilosas tramas de maldade e não pode se tornar veneno nos lábios de religiosos peçonhentos. A Escritura contém palavras de vida, testemunhos da sempre difícil relação de Deus com seres humanos, em meio às incertezas do amor, mas também da fidelidade sem limite de Deus que nunca abandona os seus, sempre pronto a recomeçar e oferecer de novo Aliança. Por isto, são sagradas essas palavras: pois irradiam e transbordam a vida, que se torna mais vida quando tocada desde dentro pela bondade gratuita do Criador. Assim, ao apontar o centro da religião, Jesus recorre à mais integradora de todas as experiências humanas, fundadora não só da religião, mas fundamento do sonho e da esperança, da dança e da festa, da arte e do conhecimento, de todas as relações verdadeiramente grandes, importantes e duradouras: o amor.

“Amar a Deus com todo o coração, com toda a alma e com todo o entendimento”, e transbordar esse amor “ao próximo, como a si mesmo” – nisso consiste a fé; disso depende a interpretação das Escrituras e a isso devem conduzir as instituições religiosas. Um amor que não deixa nada de fora: nem os abismos mais secretos do coração, nem a sendas mais sublimes da alma, nem os esforços mais sinceros do entendimento. E, porque nascido da pessoa inteira (coração, alma e entendimento), pode se dirigir inseparavelmente a Deus e ao próximo. Nas palavras de Jesus, aprendemos: somente quem ama inteiro pode amar inteiramente e a todos. Não há contradição e nem concorrência entre amar, ao mesmo tempo, a Deus e às pessoas, dedicar-se ao serviço divino e consumir-se de carinho àqueles que conosco caminham. Do contrário, pode ocorrer também conosco o que aconteceu aos inquisidores de Jesus: temendo que o amor às pessoas diminuísse seu amor a Deus e querendo dedicar-se somente ao amor divino, terminaram por não amar mais nada.

Que o amor seja, de fato, o fundamento de nossa fé. E que, encontrados por Aquele que nos envolve com seu amor, devotemo-nos a amar com mais largueza. Assim, estaremos seguramente cumprindo todos os mandamentos que devem ser cumpridos, bem como descumprindo aqueles que, mesmo sob aparência religiosa, merecem ser esquecidos para sempre.

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Por, Frei João Júnior ofmcap

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