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15/02/2014: "Como um caminho aberto"

Comentário ao Evangelho da 6ª Semana do Tempo Comum: [Cf. Mt 5, 17-37]

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O Deus de Israel, tal como apresentado nas Escrituras, sempre se revelou intrigantemente paradoxal: elevado muito acima dos céus, mas também presente em todo lugar do universo criado; disponível às buscas sinceras de todos os corações, enquanto também resguardado em seu insondável e indizível mistério; Senhor do tempo e da história, mas igualmente companheiro nas longas demoras históricas da consciência de seu povo. É justificável, portanto, que o lugar privilegiado de encontro com esse surpreendente Senhor fosse o monte, lá onde os céus e a terra parecem se tocar, fecundando-se mutuamente; no delicado ponto de encontro desenhado pela dureza das rochas e a leveza do vento. Pois o monte é assim mesmo, como o coração humano: capaz de conter num só lugar a largueza do mundo e num só olhar a infinitude do horizonte.

Lá, no monte, foi revelado a Moisés o nome de Deus: liberdade para os seus amados (cf. Ex 3,1-15); e no mesmo monte, Elias, o maior de todos os profetas, teve a missão renovada e o rosto acariciado pela ternura divina (cf. 1Rs 19,12-18). Mas não só. Foi também no monte, transformado em caminho para encontrar a vontade de Deus, que Moisés recebeu o Caminho por excelência: a Lei, a Torah (literalmente: “caminho”; cf. Ex 31,18). Concluía-se, assim, a Aliança prometida aos antigos, desde Abraão, e oferecida a todos em Cristo. Pois, seguindo por este Caminho (a Escritura, o Mandamento), todo coração se converteria em monte sagrado, onde Deus habita e revela sua vontade. E é também por isso que hoje, no evangelho, Mateus coloca Jesus sobre o monte, recordando aos discípulos e à multidão, este primordial e verdadeiro sentido do Mandamento: ser caminho.

A advertência de Jesus é recorrente e reiterada, mas sempre oportuna. Pois não é raro que as religiões, de ontem e de hoje, incorram no risco de reduzir a vivência da fé à observância mais ou menos rígida de determinados preceitos. Ou, pior ainda, no de legislar o acesso a Deus e à sua graça, esquecendo-se de que o divino caminho não está “no céu ou do outro lado do mar”, nem nalgum outro lugar de sua exclusiva propriedade institucional, “mas nos lábios e no coração daqueles que buscam” (cf. Dt 30,10-14).

Por isso, não basta, tal como nos diz Jesus, observar os mandamentos como um “mínimo necessário”, como condições a serem satisfeitas. Isso seria reduzi-los demais e, no caminho que conduz a Deus, não há lugar para mesquinhez ou sovinice. A medida da obediência, como também já advertia Jesus, é a medida do amor: a abundância e a generosidade (cf. Jo 15,10). De modo que não basta “abster-se do falso juramento”, é preciso viver com integridade e honradez, manifestando-as em cada gesto, cada palavra e cada relação. Como também não é suficiente “fugir do adultério”, é preciso saber amar e respeitar o amor, centelha de Deus mesmo (Ct 8,6). E, finalmente, muito para além de “não matar”, o mandamento ordena amar a vida e promovê-la, em toda a sua extensão e riqueza, sobretudo em seus rostos mais frágeis.

coração

Se assim for, os mandamentos nunca serão prisão ou interdição, ou motivo de contenda e critério de juízo excludente entre irmãos. Serão, pelo contrário, a porta que abre um caminho de doação generosa; um convite a subir cada vez mais alto no monte do próprio coração; o rastro d’Aquele que, criando, pôs em toda criatura o desejo sincero de O encontrar.

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Por, Frei João Júnior ofmcap

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