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05/07/2015 : "Escandalosamente próximo"

Comentário ao Evangelho do Décimo Quarto Domingo do Tempo Comum: Mc 6,1-6

proximidade

Em terras espanholas, existe um projeto de evangelização chamado “Ain Karem”, das Irmãs Carmelitas de Vedruna. O próprio nome “Ain Karem” é muito significativo, pois se refere ao lugar onde o Evangelho de Lucas situa a residência de Isabel e Zacarias, o casal de idosos agraciado com o nascimento do grande João Batista. Teria sido lá, portanto, o formoso cenário do encontro entre aquela (Isabel) que tinha sido abençoada na velhice com um rebento de esperança e a jovenzinha (Maria) que trazia no ventre a esperança de todos os rebentos. Nada mais adequado, para o evangelista: entre as tarefas simples da vida cotidiana, duas vidas tocadas, cada qual a seu modo e seu tempo, pela presença de Deus; e que, juntas, cantam agora a bondade do Criador. E o projeto das irmãs carmelitas tomou o nome desse lugar, insinuando que é exatamente no chão quase banal da vida de todos os dias que o evangelho toma forma e floresce.

Entre as canções do projeto, há uma particularmente bela, que poderia ser assim traduzida: “Desde baixo, desde dentro e desde perto te encarnas em Nazaré. E, nas menores das coisas, nos convidas a crer”[1]. Um pequenino refrão que, somado ao próprio nome “Ain Karem”, traduz a grande provocação do cristianismo ao senso religioso de todos os tempos – e que permanece um escândalo, mesmo para nós: a proximidade de Deus.

E por que nos é tão custoso crer nisto: que Deus habita as luzes e as sombras de nossa vida e de nosso coração? Talvez porque, desde seu nascedouro, no limiar do espírito humano, a fé religiosa nos tenha ensinado que Deus e nós não temos quase nada em comum… E que um encontro sincero com Ele só seria possível se negássemos tudo aquilo que, no fundo, somos. Por isso, para nos aproximarmos de Deus seria necessário abandonar tudo quanto nos rodeia – mundo e pessoas. Para amá-lo, seria preciso deixar de amar ou mesmo odiar os amores humanos. Ou para adorá-lo “em espírito e verdade” seria urgente detestar a carne e suas mentiras. Sair de nós, negar nossos desejos, aniquilar nossa humanidade… isso sim seria o caminho ascético que levaria ao encontro de Deus.

Não é, pois, sem razão, que nos desencontramos d’Ele. Pois, enquanto escalamos apressadamente sobre os escombros do mundo que denegrimos, com os olhos fixos na direção do céu, Deus desce ao chão de nossa história e germina, qual semente, das entranhas de nossa terra. Em um Espírito que habita o interior de todas as coisas criadas, em um Filho que por ser todo igual a nós nos faz todos iguais a Deus, em um Pai que se curva com amor e toma no colo a criatura amada – em outras palavras, num Deus feito inteiramente proximidade – é nisso que cremos. E é essa esperança que nos assegura que, nos conhecendo sempre mais, cedo ou tarde chegaremos ao conhecimento de Deus. Que no fundo das palavras e dos anseios humanos, encontraremos, para além de todos os condicionamentos e enganos, a pulsação do Mistério. E que nos fios que tecem a história de nossa vida, em seus triunfos e reveses, encontraremos as mãos de um habilidoso Artista, que entremeia aqui e ali os fios de sua própria história. Sim, um Deus feito proximidade, capaz de provar as alegrias e as dores de nossa humanidade, sem se esquivar de nada que seja autenticamente humano, será sempre o grande escândalo da fé cristã. Seja no tempo de Jesus, em que “o carpinteiro filho de Maria” escandalizava seus compatriotas que não acreditavam que o Reino poderia nascer ali, tão próximo e tão familiar; seja hoje, quando a fé ainda nos impele a estender a mão e socorrer todas as chagas de nossa humanidade ferida.

Talvez exatamente por isso nos seja tão difícil crer num Deus próximo e humano. Um Deus distante e infinitamente puro justificaria nossa apatia e nossa acepção de pessoas, nossas condenações e excomunhões. Mas afirmar o Deus-proximidade como Senhor de nossa vida implica fazermo-nos, a cada dia, mais próximos e mais humanos, dispostos a celebrar a provisória humanidade de nossas alegrias e a compreender a humana profundidade de nossas dores. Um Deus humano nos encoraja a nos arriscarmos; e a amar com nosso coração humano, mesmo a custo de chorar nossas humanas lágrimas. Viver nossa humanidade até a última gota de sua natural nobreza: esse é o imperativo ético que nasce da fé cristã.

Que Jesus, Deus nascido em nossa humanidade, nos soe como convite irresistível a esse radical itinerário de humanização. E que nos convertamos para sermos capazes de crer firmemente em seu anúncio: o Reino de Deus é próximo de nós (cf. Mc 1,15).

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Por, Frei João Júnior, OFMCap

[1] A letra original, em espanhol: “Desde abajo, desde dentro y desde cerca te encarnas en Nazaret. Y en las cosas más pequeñas nos invitas a creer”. O áudio pode ser encontrado em: <https://www.youtube.com/watch?v=6ZPqay4PorA&feature=share>.

 

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